segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

"COMO ERA GOSTOSA A MINHA OBRA... ARTE DEVORADA!"

[Histórico de Arte da Mario - 1º sem./2005]



Como era gostosa a minha obra... Arte devorada


Exposições de arte comestível (Eat art) com frutas, verduras, legumes e outras gostosuras.
E.M. Mário Piragibe – RJ/ 2005

[Histórico de arte da Mario: Relatório da época da realização do projeto, 2005, portanto, algumas nomenclaturas não são mais usadas, como, p.ex., as "séries" (na época, eu trabalhava com turmas de 5ª à 8ª séries, correspondentes agora: 6º ao 9º anos).]


Profª Imaculada Conceição M. Marins



RELATO DA EXPERIÊNCIA


I. Qual o trabalho?


O projeto “Como era gostosa minha obra... (Arte devorada)” foi concebido e realizado nas aulas de Artes Plásticas, com turmas de 5ª a 8ª séries [atualmente, 6º ao 9º anos], como prolongamento do Programa “5 ao dia” (um programa nutricional de incentivo ao consumo de frutas, legumes e verduras), trabalhado por toda a escola no período da “Semana de Alimentação Escolar” e pelo PPP - Projeto Pedagógico da Escola - Ética e Cidadania - que neste semestre visava questões relativas ao meio ambiente e à saúde.

A idéia foi montar exposições (foram quatro ao todo, em diferentes dias) no gênero “eat art” com obras feitas de legumes e/ou verduras e/ou frutas para serem apreciadas, sentidas, tocadas, cheiradas, saboreadas e finalmente devoradas por seus criadores e pelos participantes convidados a essa experiência artístico-degustativa.




"Provar com o conjunto de nosso corpo é viver plena e totalmente. Fazer funcionar a consciência, a cultura e a inteligência sobre um momento gastronômico é contribuir para fazer da nossa vida uma obra de arte e mesclar ética e estética, arte e existência. Alegrar-nos no jogo emocional, sensual e perceptivo (...)” (Michel Onfray: “A Estética do Efêmero” in A Razão Gulosa)

O tema veio como referência às idéias antropofágicas do movimento modernista brasileiro que estávamos trabalhando. Depois de conhecerem essa degustação simbólica da arte moderna no Brasil, as turmas envolvidas ampliaram seus conhecimentos ao pesquisarem na Internet sobre a “eat art” (arte para se comer realmente), entrando assim em contato com uma modalidade de arte raramente trabalhada nas escolas: a dita “arte efêmera” (praticamente todo material visual para ilustrar as aulas foi fornecido por essas pesquisas dos alunos).


natureza-morta

Da pesquisa sobre as conceituações de “arte perene” e “arte efêmera”, os alunos foram então convidados a pensar: O que é uma arte efêmera? O que é uma arte perene? Até que ponto a distinção é válida? E ainda puderam aplicar e divulgar, através do material de suas obras (frutas, legumes e verduras) a proposta do Programa “5 ao dia”, criando e apresentando uma arte divertida que alimenta e satisfaz plenamente o corpo.


Obra de legumes e verduras

Todas as operações de cozinha significam e celebram as modificações trazidas à matéria: desenformar, corar, assar, fritar, escaldar, grelhar, ferver, abafar, flambar, cozinhar é agir especificamente no tempo; talhar, cortar, amaciar, cinzelar, picar, amarrar, enfarinhar é agir no terreno da forma; soltar, disfarçar, distender, moer, furar, encrespar, ligar, conservar é intervir nas texturas; refogar, aferventar, refrescar, condimentar, temperar é querer produzir efeitos sobre a cor, sobre a luz. Em todos os casos de figura, a ação conjugada sobre o tempo, a forma, as texturas, as cores vem da prática estética ou artística.”
(Michel Onfray: “A Estética do Efêmero” in A Razão Gulosa)




II. O início. De onde a ideia?

Era uma manhã de sexta-feira, na 8ª série estávamos trabalhando a “op-art” e a “arte cinética”, pois iríamos a uma exposição de Mary Vieira (CCBB-RJ) na quarta-feira seguinte. A aula já havia terminado. Recolhia meu material para seguir para a próxima turma, quando de repente me veio a idéia de perguntar: “Quem gosta de cozinhar?” Foi um tal de “eu”, “eu”, “eu”, “eu”. “Por quê?” - perguntou um aluno – “Vamos ter festa?” “Talvez...” Respondi. “Pensei em fazermos uma obra de arte para comer depois, que tal?” “Comer, de verdade?” – perguntaram - “Mas quem vai comer?” “Vocês, ou quem vocês convidarem. Mas isso fica pra depois da visita a Mary Vieira”.

Na visita, os alunos conheceram uma arte que se mexia e na qual se podia mexer. E existe algo de mais “cinético” do que uma arte para comer? É uma arte que se move, se transforma, se modifica... No manuseio do preparo, no manuseio da “partilha”, no manuseio de levar à boca. A obra de arte se modifica. Vai ficando pequena no prato, virando farelo, resíduos na mesa, manchas na mão... Vai ficando grande no estômago. Vai se transformando na saliva, no ventre, vai virando sangue, corpo, alma, coração...


Frutas, legumes e verduras


A turma em que entrei em seguida era uma 7ª série. Vínhamos trabalhando o movimento Antropofágico, revendo o “Abaporu” de Tarsila do Amaral, que inspirou Oswald de Andrade. Então pensei logo de cara em fazer a mesma pergunta: “Quem gosta de cozinhar?” Tal como na turma anterior, a adesão foi total, mas teve quem falasse: “Eu gosto mesmo é de comer!”. Legal, pensei. Eles estavam vendo uma arte em que os artistas “comiam” a arte (simbolicamente), tal como os índios canibais para obter seus poderes. Agora eles iam conhecer uma arte para ser comida de verdade (e igualmente também obter seus poderes, as propriedades nutricionais dos ingredientes). Então comecei a lhes falar sobre a “Eat art” e os alunos concordaram, bastante empolgados, em fazer obras de arte que pudessem ser comidas após a exposição. E que título poderia ser mais legal do que um ligado à antropofagia? “Como era gostosa a minha obra – arte devorada” (uma alusão ao filme, “Como era gostoso o meu francês”, que comentei com os alunos).


Resumindo, a escolha pelo projeto se deu por uma série de coincidências. A SME (Secretaria Municipal de Educação) enviou uma proposta, pela qual me interessei bastante e teve boa acolhida dos alunos, de trabalharmos o Programa “5 ao dia” (incentivo ao consumo de frutas, legumes e verduras) durante a Semana de alimentação Escolar 2005. No Planejamento Pedagógico da Escola estava planejado para o mesmo período o tema “Meio Ambiente: Conhecer e preservar para viver melhor” (e a imprensa vem divulgando que várias frutas e legumes estão entrando em extinção, muitas espécies já estão inclusive extintas – e os alunos ficaram muito curiosos com tais notícias). Havia acabado de ler (pena ter jogado fora a reportagem), sobre uma tal “arte na geladeira”, a propósito de uma recente exposição de arte para comer.


poesia visual

Ano passado comprei um livro, que só então consegui ler, A Razão Gulosa, de M. Onfray (era um presente para uma de minhas irmãs nutricionista), onde um dos capítulos, “A Estética do efêmero”, fala sobre os banquetes futuristas, a Eat-art e outras artes efêmeras cuja matéria é pra ser degustada, devorada ao final. Numa visita este ano à exposição do MAM-RJ (Arte Contemporânea Hoje-2005), os alunos (das 6ª e 7ª séries) acharam legal uma obra feita de pacotes de biscoitos “Club Social” (embora sem biscoitos dentro, creio eu) construindo a bandeira do Brasil (e na sala de atividades educativas do MAM eles foram indagados sobre qual alimento lembrava sua escola). Em algumas turmas, como disse acima, vinha trabalhando o modernismo no Brasil e o movimento antropofágico (aquele de devorar a arte estrangeira – i.e., se apropriar dela - e vomitar uma genuinamente brasileira); e a 8ª série estava conhecendo um gênero de arte em que se pode mexer, modificar e cuja “eternidade” será sempre móvel. A soma de tudo isso fez eu pensar o projeto e a aceitabilidade fez o projeto acontecer.



Composição com chuchu, cenoura, beterraba, alface...



III. Objetivos didáticos e conceitos trabalhados:

* Experimentar uma relação diferente no processo de criação, apresentação e apreciação da arte, ampliando as experiências estéticas.
* Criar obras de arte em que se possa aplicar e divulgar as propostas do Programa “5 ao dia” - de incentivo ao consumo de frutas, legumes e verduras ao menos cinco vezes ao dia -, valorizando e estimulando, assim, uma alimentação saborosa, colorida e saudável que a prática do consumo desses alimentos possibilita.
* Conhecer e refletir a propósito dos conceitos que definem as ditas “arte efêmera” e “arte perene”.
* Ampliar a bagagem cultural, informacional e conceitual ao entrar em contato com algumas das ditas “artes efêmeras”, em especial, a “Eat art”.
* Na criação das obras, trabalhar:
- os conceitos de bidimensionalidade e tridimensionalidade;
- a relação: reprodução X criação X apropriação (em artes);
- a distribuição espacial e o uso da forma;
- a aplicação prática das cores.


Obras com frutas, legumes e verduras



* Há, ainda, um outro objetivo, que me passou inicialmente despercebido até que os próprios alunos (em unanimidade!) em seus Relatórios (após a exposição) ressaltassem (diria mesmo, exaltassem): o trabalho em equipe, a cooperação, a união de esforços para um objetivo comum, a solidariedade, a partilha da experiência do fazer e do apreciar, a convivência em comunidade, enfim, a alegria de compartilhar experiências (alguns alunos chegaram a relatar acontecimentos paralelos à fase inicial de confecção da obra, como, por exemplo, uma pausa na preparação do trabalho para soltar pipa com os colegas do grupo ou a partilha do que sobrou com o vizinho que “emprestou” a laje para soltarem pipa).
* Enfim, criar uma obra de arte divertida e plenamente satisfatória ao corpo (sensível, inteligível, emocional, orgânico).


IV. O Percurso:

IV.1. O “antes”

A proposta destas exposições, como já disse, aconteceu como uma extensão do Programa “5 ao dia” . Certo, o Programa “5 ao dia” não é idéia de artistas plásticos, mas de pesquisadores na área de saúde e nutrição. Interessa a todos nós na medida em que queremos estar bem e saudáveis. Mas não foi difícil passar da nutrição às artes. Afinal, não sabemos que um dos motivos mais atraentes para os artistas parece sempre ter sido os alimentos? As naturezas-mortas que o digam! Pancetti, Cézanne... Quantos não usaram frutas e legumes em suas criações? A própria Tarsila usou várias frutas em suas obras. E Giuseppe Archimboldo, este artista barroco e suas criações de cabeças humanas utilizando frutas, legumes, flores (entre outros elementos inusitados)?


Assim, antes de chegarmos à “efêmera” arte comestível (proposta da exposição), começamos pela arte (dita) “perene”. Propus aos alunos montarmos um mural com o tema “Naturezas-mortas que dão vida”. Não qualquer tipo de natureza-morta, mas uma com o uso de frutas e/ou legumes e/ou verduras. O material foi o convencional: papel ofício e tinta guache. Teve mais trabalho de pintura do que espaço para expor, mas ficou muito legal. Com isso pudemos ver, por exemplo, o que significa tradicionalmente “natureza-morta” e outros gêneros de composição plástica (como, por exemplo, o “nu”, a “paisagem”, o “retrato”, a “marinha” etc.). A proposta era para ser trabalhada, em especial, com as turmas que ainda não conheciam esse conceito (as 5ª séries), mas acabou se estendendo para todas as outras turmas, onde aproveitei para fazer uma breve revisão. Assim, todas as turmas de 5ª a 8ª séries participaram desta primeira atividade, que se deu no plano bidimensional. Até que lancei a questão “Quem gosta de cozinhar?” e o trabalho saiu da bidimensionalidade para tridimensionalidade, da parede e do campo restrito da visão para o espaço experimental, para o tato, o olfato, o paladar, para a experiência viva... Para o espaço da vida.



IV.2. Da preparação ao acontecimento

Como eu disse, um dia lancei a questão: “Quem gosta de cozinhar?”. A adesão foi total (alguns meninos se intimidaram de início – coisa rápida). E mesmo quem não gostava de cozinhar, gostava ao menos de comer. Já havíamos, há algumas semanas, começado a trabalhar o Programa “5 ao dia”, e a “ponte”, como também vimos, para a “efêmera” arte comestível foi a “perene” natureza-morta (5ª a 8ª séries), a “perene” arte cinética (8ª série) e a “perene” arte de Tarsila do Amaral, com sua obra “Abaporu”, inspiradora do movimento Antropofágico, aquele de comer a arte estrangeira – i.e., se “apropriar” dela – e vomitar uma genuinamente brasileira (7ª série; estendida depois para as outras séries).


Lançada a idéia, propus aos alunos que formassem grupos (para facilitar a divisão das tarefas e as despesas com o material). Para cada grupo entreguei duas folhas com os passos para a construção do projeto e sugestões de pesquisa na Internet (já que quase não há publicações sobre o assunto) para enriquecer o trabalho, entender a proposta e auxiliar nas reflexões. Alguns grupos conseguiram logo o material, o que ajudou muito na compreensão da proposta; pois praticamente todo material didático usado para ilustrar as aulas foi fornecido por essas pesquisas dos alunos. E da pesquisa sobre a “eat art”, seus principais artistas e sobre as conceituações de “arte efêmera” e “arte perene”, os alunos foram convidados a pensar: O que é uma arte efêmera? O que é uma arte perene? Até que ponto há de fato essa divisão?


natureza-morta


O corpo humano

De início, pensei em trabalhar apenas com as turmas de 7ª e 8ª séries por causa dos conceitos que considerei mais apropriados ao nível de compreensão dessas séries. Mas o interesse foi tanto, que meus alunos das outras séries quiseram também participar. Então estendi a proposta para minhas duas 6ª séries (as turmas de 5ª participaram apenas como convidadas à comilança e em outras atividades paralelas ligadas ao Programa “5 ao dia”).

Como a proposta era montar exposições no gênero “eat art”, cada grupo tinha que escolher um nome ligado à arte e/ou à comida. Cada grupo deveria elaborar um Projeto inicial, onde deveria constar: o nome do grupo e seus componentes; o título da obra; um croqui esboçando como se pretendia que ela fosse, pois, por exemplo, podia acontecer de, na elaboração da obra, ser necessária alguma modificação (o que de fato ocorreu com alguns grupos); qual material necessário; qual a idéia proposta; qual a reação que se espera do público; e o que mais o grupo achasse importante acrescentar para o entendimento de sua proposta. Cada grupo deveria ainda apresentar um cartaz com uma “poesia-visual” (um jogo de palavras, cores, imagens sobre arte e/ou comida) anunciando a exposição. Forneci ainda alguns dados para a realização de um Relatório final (para depois da exposição), onde deveriam constar: as dificuldades em realizar a obra (os prazeres e desprazeres em sua confecção); como foi a reação do público (foi como a esperada?); e, após a “devoração” da obra, comentários sobre a experiência em comê-la; podia-se ainda (opcional) registrar outras experiências ligadas à construção ou degustação da obra, entrevistas, opiniões de outras pessoas não participantes do grupo, mas que apreciaram ou comeram da obra etc.


Assim, em sala de aula, os alunos pensaram os primeiros passos, rabiscaram as primeiras idéias e decidiram os nomes dos grupos e de suas obras. Surgiu muita coisa interessante: “A arte de comer arte” (8ª série); “Arte não engorda” (6ª série); “Sentindo o sabor da arte” (7ª série); “Os mestres-cucas da arte” (8ª série); “Olhou? Gostou? Comeu? Quer mais?” (6ªsérie); “Comendo com a arte” (7ª série); “Jogando com a arte” (6ª série); “Arte-fruti” (8ª série); “Salada de Artes” (7ª série); “O gostinho da arte” (7ª série); “Fazendo a comilança” (6ª série); “Comer é bom” (7ª série); entre muitos outros nomes. E como se tratava de uma exposição de arte comestível ligada ao desenvolvimento do Programa “5 ao dia” propus aos alunos que pesquisassem (em casa) receitas em que fossem usadas frutas, legumes, verduras. Não precisava ser radicalmente de acordo com o Programa (que aconselha a comer os alimentos preferencialmente crus). Mas se quisessem uma torta, tinha que ser de fruta ou de legumes ou de alguma verdura; se quisessem um bolo, tinha que ser de cenoura, laranja, ou outra fruta, e o confeito (liberei pro chocolate e algumas coberturas irresistíveis) também tinha que levar ao menos alguma fruta e/ou legumes e/ou verduras. Poderiam completar a “refeição” com sucos de frutas (nem pensar em refrigerante ou sucos artificiais!). Podiam montar esculturas e outras construções espaciais com frutas, legumes, verduras; “pinturas” com verduras picadas, legumes e frutas para o acabamento, e por aí vai. Foram necessárias, para essa fase preparatória, umas três semanas. Marcamos então os dias das apresentações (7ª série, 10/06/2005; 8ª série, 17/06/2005; seguidas das duas 6ª séries, 29/06/2005 e 6/07/2005), que ocorreram no auditório da escola.


Palavras do convite:

Sinta, toque, olhe, cheire, deguste, saboreie...

Aprecie sem moderação!

Devore com paixão!



O convite para as exposições



Um campo de futebol de frutas?


Nos dias dos eventos, os alunos levaram o material necessário para a criação de suas obras, que foram montadas (total ou parcialmente) no local da exposição. Alguns alunos, cuja obra não precisava de nenhum preparo anterior, compraram o material diretamente no “Varejão volante” que estaciona diante da escola. Outros, pediram auxílio à comunidade externa (em especial seus familiares) que ajudou dando uma mãozinha na cozinha ou cedendo o espaço para o pré-preparo das obras. Pois os alunos podiam montar uma parte da obra em casa (sobretudo se esta precisasse de cozimento prévio ou de ser assada com antecedência), mas outra deveria obrigatoriamente ser feita no dia e no espaço da exposição, junto aos outros grupos. Por exemplo, se o “suporte” fosse um bolo, este poderia ser “encomendado” (numa padaria, num supermercado, num boleiro...) ou feito com a ajuda da mãe, da avó ou de uma tia, desde que o confeito fosse “desenhado” e construído pelos componentes do grupo, dentro da escola, no dia e espaço da apresentação. Muitos alunos se aventuraram eles mesmos a cozinhar ou a assar.


natureza-morta

Cada aluno ficou de convidar apenas uma pessoa para participar da “comilança” (a visita estava liberada para toda comunidade escolar, mas tivemos de restringir o grupo dos “comedores de obra” já que estas eram limitadas e em pequeno número e a comunidade escolar imensa!). Foi um sucesso retumbante! As obras foram poucas pra tanta boca (os alunos não conseguiram convidar apenas um colega, sem contar que na hora da partilha foi impossível impedir os “penetras” ávidos por um tasquinho desta irresistível arte).


Experiências de sabores: torta de frutas
confeitada com chocolate, beterraba e cenoura


Havia proposto montarmos um banquete coletivo aproveitando a enorme mesa que há no auditório para as comemorações festivas, mas os alunos (de todas as turmas) preferiram montar mesas separadas para cada grupo, assim eles podiam atender melhor “seus convidados”. Nos dias das apresentações, os alunos levaram CDs para um fundo musical. Quando a comilança terminou, eles limparam o auditório ao ritmo de muito som, muita farra e muita dança.


natureza-morta

Depois das exposições, montamos um outro mural com o material obtido pelos grupos na pesquisa pela Internet sobre a “eat art” e outras tendências de “arte efêmera” em sua relação com a “arte perene”. Em sala de aula, os grupos prepararam seus Relatórios. Como alunos encontraram dificuldades em seguir o esquema do Relatório final, preparei um outro. Pedi aos grupos que realizassem primeiro um relato coletivo (através de perguntas e respostas a serem respondidas pelo consenso do grupo), depois outro individual relatando, em forma de redação, a experiência sob um ponto de vista particular do acontecimento. Pelos relatos, a experiência foi mais do que válida e muitos gostariam de repeti-la.

natureza-morta


V. Ainda algumas palavras sobre o percurso:

Tudo parece simples. Mas tive receios. Será que a proposta funcionaria? Será que os alunos teriam como participar (já que implicava em custo de material para o preparo das obras)? Será que apesar do grande interesse, eles viriam no dia combinado ou “furariam”? Conseguiríamos montar as exposições ou elas ficariam só na vontade? O espaço seria liberado pela escola? E o tempo, será que os colegas professores cederiam?


natureza-morta

A grade horária de artes plásticas é pequena. Meu encontro com as turmas acontece apenas uma vez na semana. Tive que interromper e usar as aulas de muitos colegas (que, graças aos céus, tiveram a gentileza de me cederem). Os recursos da escola são poucos (e põe pouco nisso!). Mas a boa vontade é grande. Usar o espaço da apresentação (o auditório da escola), por exemplo, significava a “perda” para muitas colegas do 1º segmento (1ª-4ª séries) de suas atividades já pré-agendadas (e as professoras cederam o espaço numa boa). Os colegas do 2º segmento (5ª-8ª séries) também foram legais, muitos trocaram o dia da avaliação final do bimestre só para facilitar o preparo das exposições e a visitação dos alunos. A coordenação e a direção deram igualmente a maior força, emprestando toalhas de mesa, talheres, guardanapos, entre outros materiais para os alunos que esqueceram de trazer.


Uma imagem "pop" com legumes etc.


As colegas da merenda também foram muito legais ao deixar os alunos ocuparem seu espaço para lavarem as verduras e frutas ou guardarem suas obras até o momento do início das atividades. E os colegas da limpeza (depois de uma “boquinha” na exposição) disseram que este era um espaço em que eles teriam o maior prazer de limpar (se bem que os alunos tentaram deixar tudo limpo após a comilança). As professoras do 1º segmento, além de liberarem sua agenda no auditório, ainda ajudaram no que puderam, emprestando TNT aos alunos que solicitaram, palitos para a confecção de algumas obras, e até dando uma mãozinha na hora de tirar as fotos.


poesia visual

Tive alguns receios. Mas depois da primeira exposição vi que tudo correria bem. A aceitabilidade foi surpreendente. Nenhum grupo “furou”. Os trabalhos foram muito legais e todos consideraram “verdadeiras obras de arte”. Os alunos de algumas séries podem até não ter compreendido toda a relação conceitual trabalhada, mas entenderam o essencial: a proposta em questão: o que “é” uma arte efêmera, o que é a “eat art”, e, o principal: que o importante destas exposições é antes a experiência do que a obra em si. A obra acaba, mas a experiência permanece (na memória, nos corações...).


VI.1. Avaliação (I)

Eu queria que os alunos tivessem uma experiência diferente com a arte. O trabalho dentro da escola acaba sempre ficando muito formal. Arte na escola é quase sempre com os mesmos suportes (de um modo geral, papel ofício, cartolina, folhas de caderno, às vezes, uma sucata, um TNT...), os mesmos materiais (geralmente lápis de cor, canetinha hidrocor, lápis cera, tinta guache...); e com tantas turmas lotadas, tão pouco tempo de aula, além da ausência de um espaço apropriado, muito raramente ousamos trabalhar algo que desvie do formal. E no entanto, esta ausência de um espaço apropriado é o que mais deveria nos incentivar a pensar algumas propostas com “performances” ou “intervenções”, entre outras experiências em artes cujo suporte é o próprio corpo ou o entorno, senão meramente a própria experiência (a experiência é a obra). Certo que nada disso é novidade no mundo das Artes, mas é uma experiência inédita para os alunos que têm então a oportunidade de aumentar seus conhecimentos em linguagens artísticas, seus conceitos em relação ao mundo contemporâneo e ainda ampliar suas experiências estéticas.


natureza-morta

Várias contribuições este trabalho nos proporcionou (a mim, aos alunos e, espero, à escola): desde as atitudes em relação a uma alimentação saudável até a oportunidade de trabalhar um tema em artes que até então não tinha sido abordado com as turmas. Os alunos nunca tinham ouvido falar da “eat art”. E esta foi a oportunidade de incentivá-los a uma pesquisa on-line (já que o material publicado é pouco ou pouco acessível). Até então, eu nunca havia trabalhado com nenhuma turma as conceituações “arte efêmera” e “arte perene” e essa foi igualmente a oportunidade para apresentá-los a tais conceitos (e muitos apontaram em seus relatórios a contribuição desses novos conhecimentos).


natureza-morta

Esta foi também a oportunidade de pensar questões éticas relativas à convivência em comunidade: refletindo sobre a participação junto ao grupo (a união, a colaboração, a cooperação, a divisão das tarefas, a alegria de compartilhar etc.) e sobre o comportamento das pessoas no evento (como a questão do respeito, das atitudes sociais – alguns participantes, por exemplo, ultrapassando as normas da boa convivência e do respeito, meteram a mão nos trabalhos, pegando sem consentimento dos grupos -; a questão da generosidade com o próximo – os membros de muitos grupos, por exemplo - segundo os relatórios -, serviram seus convidados – e os “penetras” - sem se importarem de não provar da própria obra, reconhecendo que o mais legal foi ver o sucesso que o trabalho fez pelo tamanho do público apreciador e “devorador” da arte que eles fizeram -; a questão da reciprocidade: Até que ponto se deve “retribuir”? Grupos generosos devem ser retribuídos com generosidade. Mas será correto “pagar na mesma moeda”, “dar o troco” para os que “invadiram” e não respeitaram seus colegas? Ou para os que foram “egoístas” na partilha? O que se ganha “retribuindo” o erro? -; a questão da honestidade – alguns alunos, p.ex., “venderam” convites por biscoitos “Trakinas”, e embora tenham cobrado uma “moeda” comestível, como a proposta da exposição, a entrada era livre e seus colegas foram ludibriados com essa traquinagem -. Muitos alunos, em seus relatórios, aludiram a essas e outras atitudes.).


poesia visual


Alunos preparando a obra: castelo de abacaxi,
coberto de chocolate e frutas (morangos, peras, maçãs, uvas)


Arte abstrata com frutas, legumes e verduras


Material para as obras? Alunos no "Varejão Volante"


Professora visitante se deliciando com a obra



VI.2. Avaliação (II)

Quanto a meu trabalho, a experiência de montar esta exposição com os alunos (e vê-los tão receptivos) me trouxe grande satisfação. Pois muitas vezes esquecemos que é possível fazer um trabalho legal em artes mesmo com pouco material (plástico) e a ausência de uma sala ambiente apropriada para nossas atividades. Os alunos sempre estudaram sobre a arte que consta dos livros de História e que, em sua maioria, faz parte da dita “arte perene”. E nós, mesmo o mundo tendo mudado, as mentalidades terem mudado, os conceitos de arte e obra terem mudado, continuamos reproduzindo dentro da escola conceitos modernos ou pré-modernos (nem sempre, é verdade, mas na maioria das vezes). E esquecemos que não são apenas estas atividades artísticas (intervenções, propostas, performances...) que são efêmeras. Mas, como disse sabiamente um aluno da 6ª série (ao ser indagado sobre um exemplo): efêmero é o nosso mural! Durante o ano, trocamos os murais das salas várias vezes. De ano a ano, novos alunos, novas turmas, novos professores, novos (e múltiplos) murais. O aluno acertou no exemplo, pois o que é “mais” efêmero, a arte que eles fizeram para comer ou o mural com suas pinturas de naturezas-mortas que logo haveria de ser trocado? Tudo é efêmero, como nossos murais, como nossa breve passagem sobre a terra... Tudo pode ser eterno como a lembrança desta exposição para quem a vivenciou.


Arte efêmera X arte perene:
mural com o resultado da pesquisa na internet sobre eat-arte, arte efêmera...



Mural com os desenhos sobre o corpo humano



Mural: natureza-morta com frutas, legumes, verduras


VII. Fundamentação teórica:

(1) ONFRAY, Michel – “A Estética do Efêmero” (pp.163-190) in A Razão gulosa – Filosofia do gosto – tradução: Ana Maria Scherer (La raison gourmande, Philosophie du goût, Éditons Grasset & Fasquelle, 1995), RJ, Rocco, 1999.

(2) ----------------- - O ventre dos filósofos – Crítica da razão dietética – tradução: Ana Maria Scherer (Le ventre de philosophes, Éditions Grasser & Fasquelle, 1989), Ed. Rocco, RJ, 1990.

(3) BERLINCK, Deborah – “Eat Art – A arte que também é comida” – jornal O Globo (26/12/2004) consultado em: http://www.pitoresco.com.br/espelho/2005_01/eat_art/eat_art.htm

(4) “Eat Art: Joseph Beys, Dieter Roth, Sonja Alhäuser: 5/10/2001 a 15/12/2001 – Busch-Reisinger Museum” – consultado em: http://home.earthlink.net/~dadaloplop/eat_art.html

(5) Material produzido pela iniciativa “5 ao dia” – Rio(*) enviado às escolas:
Semana de Alimentação Escolar – 2005 – Frutas, Legumes e Verduras pelo menos cinco porções ao dia, maio, 2005.
Promoção do Consumo de Frutas, Legumes e Verduras: O Programa “5 ao dia” – maio, 2005. Cartilha 1: Promoção do Consumo de Frutas, Legumes e Verduras: O Programa “5 ao dia” – maio, 2005. Cartilha 2: Semana de Alimentação Escolar – 2005 – Frutas, Legumes e Verduras pelo menos cinco porções ao dia, maio, 2005
(*)Obs.: O material, pelo que me parece, foi produzido pelo Instituo Annes Dias (INAD). Embora nos dois livretos acima citados não conste tal referência, a revista Nós da Escola nº.28 (uma publicação da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e MULTIRIO), na p.27, cita o INAD como autor do projeto. Ainda que, pelas informações do próprio material, o Programa “5 ao dia”-Rio envolve uma multiplicidade de outros institutos e órgãos.

(6) Revista “SAÚDE! é vital” – março/2005, Ed. Abril - ; artigo na seção de Nutrição: “9 ao dia – Essa agora é a quantidade de porções de vegetais recomendadas para prevenir doenças como câncer e obesidade” (pp.22-27).

(7) Esta indicação acrescentei em janeiro/2012: link interessante mostrando criações com frutas, legumes e verduras: "25 loucas criações com frutas, legumes e verduras": http://www.mdig.com.br/index.php?itemid=15783

(8) Indicação acrescentada em janeiro/2012: Imagens da obra de Giuseppe Arcimboldo, o artista do século XVI que ficou conhecido por suas pinturas "surrealistas" de rostos formados por flores, frutas, legumes etc. http://www.mdig.com.br/index.php?itemid=168

(9) Indicação acrescentada em janeiro/2012: Sobre Mary Vieira, artista contemporânea brasileira cuja obra era uma "pesquisa sobre movimento e a dinâmica das formas": Enciclopédia Itaú Cultural: http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=2759&cd_idioma=28555 - ou: "Mary Vieira: O Tempo do Movimento": Rio Arte Cultura: http://www.rioartecultura.com/maryvieira.htm

(10) Indicação acrescentada em janeiro/2012: Resumo do filme brasileiro "Como era gostoso o meu francês", de Nelsom Pereira dos Santos, que conta as aventuras de um francês capturado por índios canibais brasileiros - no site: Meu Cinema Brasileiro: http://www.meucinemabrasileiro.com/filmes/como-era-gostoso-meu-frances/como-era-gostoso-meu-frances.asp

(11) Indicação acrescentada em janeiro/2012: Sobre "Antropofagia": Enciclopédia Itaú Cultural: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=74

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