domingo, 8 de agosto de 2010

SOBRE O PLANEJAMENTO DE ARTES VISUAIS


guache s/ papel (tema corpo humano)

O porquê de um planejamento curricular único em artes visuais no ensino fundamental


Profa. Imaculada Conceição

Há alguns anos, decidi substituir o planejamento curricular por séries por um planejamento único. O que causou certa curiosidade entre os colegas que queriam saber se o trabalho assim não ficaria “repetitivo”. Foi pensando numa resposta que preparei este texto, escrito inicialmente em 2003, e que, com algumas modificações, passou então a acompanhar, em anexo, meu planejamento anual da escola.

Há uma frase, cuja autoria desconheço, que li numa revista (já fora de circulação) editada pelo CCBB (Centro Cultural do Banco do Brasil), Veredas (2003), que diz: “Todo grande artista um dia foi pequeno”. Essa frase "identifica" meu projeto de trabalho. Não que ele se volte para a formação de pequenos artistas, afinal essa não é nem de longe a proposta do ensino das artes na educação fundamental. O que quero dizer é que assim como todo artista começa com os mesmos elementos básicos da construção da visualidade e vão “progredindo” em seu uso, também nossos alunos precisam partir do uso e do conhecimento desses mesmos elementos básicos e, ao se apropriarem deles, irem progredindo em seu uso.

Os projetos desenvolvidos pela escola (ou pela Rede) a cada ano letivo são integrados ao planejamento de base, assim, a diversidade entra através de várias formas de propostas de trabalho com as turmas. Propostas que se delineiam a partir das mais diferentes situações.(1)

Neste planejamento (único) de base, enfoco elementos essenciais das artes visuais, dos quais os artistas (e qualquer pessoa que se veja diante de uma criação visual) trabalham constantemente, como, p.ex., cor, forma, proporção, luz/sombra, espaço/tempo, movimento; a matéria usada, o suporte, as técnicas etc. Enfoco, ainda, os modos de ver as artes visuais, a compreensão dos estilos artísticos, dos gêneros de composição etc. Por se tratarem de elementos pertinentes a toda criação visual, estes são lançados logo nos períodos iniciais e rememorados até a última etapa do ensino fundamental. Um dos motivos de rememorar, além de uma maior vivência com esses elementos essenciais das artes, é que todo ano nos chegam muitos alunos novos que nunca estudaram arte e tudo é novidade.

Vejo como essencial também o conhecimento do percurso histórico da arte. No entanto, como os períodos (Renascimento, Barroco, Modernismo etc.) já são estudados nas aulas de História, dou-me à liberdade de trabalhar independente destes. Assim, priorizo um enfoque global.


Eat-art: "Como era gostosa minha obra: Arte devorada"!

Desde a etapa inicial de meu trabalho com os alunos, deixo claro que as artes (no caso, as visuais) tiveram todo um percurso de criação durante a longa história dos humanos sobre a face da Terra. E que toda criação artística recebe influência não apenas dos períodos históricos, mas também de motivos pessoais (subjetivos) daquele(s) que concebe(m) e cria(m) a obra, do meio sócio-econômico-político-religioso etc. Enfim, que uma infinidade de motivos pode originar o acontecer da arte.

Vejo ainda como importante que os alunos comecem por conhecer o que é considerado atualmente arte; não apenas nas chamadas artes plásticas, mas nas artes visuais de um modo geral (o design industrial, a programação visual, a computação gráfica etc.), além de lembrá-los que existe uma infinidade de outras artes (como a música, o teatro, o cinema, a literatura etc.), visto que as ditas “artes plásticas” (cuja matéria leciono) mantêm no mundo contemporâneo um intercâmbio, melhor, uma forte interação com as diferentes linguagens artísticas.


Poesia visual (tema "eat-art")

Logo nas etapas iniciais (o que se propagará por todas as ulteriores) já apresento obras modernas e contemporâneas – mais próximas à vivência dos alunos, à nossa época -, das quais eles apreciam as construções visuais, estilísticas, as contextualizações etc. Apresento então aos alunos a tríade das artes contemporâneas: criação (original) X reprodução (cópia) X apropriação (recriação a partir de uma releitura). Mas sem fazer disso uma obsessão, como vejo muito por aí. Apenas para possibilitar uma melhor compreensão de grande parte da visualidade contemporânea.

Acho relevante ainda ver os conceitos de arte “perene” e “efêmera” relacionando-os a uma compreensão dos valores (efêmero-perene) da vida e do mundo. Vejo também como interessante incluir observações pertinentes à mútua referência entre valores éticos e valores estéticos, ou seja, a relação entre as mudanças éticas (ocorridas no mundo geográfico-historicamente) e as mudanças estéticas (nas artes).


guache s/ papel A4 (tema corpo humano)

“Todo grande artista um dia foi pequeno” – quer dizer, todo artista começa com os mesmos elementos e vão “progredindo” em seu uso - de modo que a palavra “pequeno” tem dois sentidos, duas interpretações: um dia este foi criança ou adolescente (como nossos alunos agora) ou um dia, em início de carreira, este não era ainda um “grande artista” -. Para que os alunos não tenham as mesmas dúvidas que alguns colegas professores têm em relação ao planejamento único, procuro explicar-lhes que em toda criação plástica eles sempre farão uso destes elementos básicos das artes visuais. E se “não fica repetitivo” é que, a cada novo ano, de acordo com os projetos trabalhados pela escola, seleciono como ponto de partida para as propostas reflexões, criações e uso dos conceitos artísticos e/ou artistas ou obras de artes “inéditos” aos olhos dos alunos. O mundo das artes é amplo - sua história remonta aos primeiros passos da humanidade ainda na Pré-história e está sempre se renovando!


Esculturas em papel

Uma mesma proposta trabalhada – ou iniciativa dos alunos - terá diferentes respostas conforme o nível turma - sobretudo se houve ou não a oportunidade de uma vivência em artes em todas etapas anteriores. O que muda na aplicação prática é o grau de complexidade na abordagem, no pensar, no fazer e vivenciar a arte.

Gosto de lembrar o seguinte acontecimento. Certa vez, um grupo de alunos, quando esses estavam na então 6ª série (atual 7o. ano), já tendo terminado as atividades propostas, para não ficarem “à toa”, sentaram-se juntos e tiveram a iniciativa de (re)construir uns desenhos inspirados num famoso desenho-animado japonês, em que eles disseram ser uma “evolução” (tal como esses bonecos sofriam nos programas exibidos pela TV na época) - porém, no caso, uma “evolução” especialmente criada por eles. Ao me entregarem suas produções, me prometeram uma nova “evolução” para o próximo ano: o que cumpriram! Eu havia guardado os trabalhos e pude constatar com eles que, de fato, esses desenhos eram mesmo uma “evolução”! Já que, além das características (as “mutações”) criadas para os bonecos, a ousadia dos traços, a inteligência das formas, a ocupação espacial, o uso criativo da cor, dentre outros elementos essenciais da visualidade estavam bem mais trabalhados. As criações dos alunos realmente “evoluem”, se “aprimoram” com o tempo (melhor seria dizer se “diferenciam” das etapas anteriores de sua formação e desenvolvimento humano-temporal-cultural-etc.), mas, os elementos básicos da construção visual “permanecem” – assim ao menos dentro de nossa cultura - caberá a eles (nossos “pequenos”), depois de se familiarizarem com seu uso (i.e., aprenderem pela repetição criativa, apropriação dos fazeres e saberes e o pensar reflexivo), um dia (quem sabe?), tudo mudar, transformar!


NOTAS:
(1) P.ex., a partir de um e-mail que recebi sobre as polêmicas em uma das Bienais de SP é que tive a ideia de trabalharmos “sticker art”(*); já em outra ocasião, uma série de fatores como, uma exposição de jovens artistas contemporâneos no MAM-RJ e uma outra no CCBB-RJ sobre a arte cinética de Mary Vieira, um livro de Onfray – A Razão Gulosa - , um projeto da Rede ligado ao programa nutricional “Cinco ao Dia” – de incentivo ao consumo de frutas, legumes e verduras ao menos cinco vezes ao dia -, etc. – levou-me à proposta de trabalharmos “eat art” (ainda pretendo postar - em "Histórico de Arte da Mario" - sobre este trabalho realizado em 2005); ou, mais recentemente, as oficinas de Animação que fiz (AnimaEscola/Animamundi e as da MultiRio) resultaram em uma série de propostas inserindo a linguagem do cinema de animação nas aulas regulares de artes(**) - etc.

(*)Ver link: http://artemariopiragibe.blogspot.com/2010/05/joao-candido-e-revolta-da-chibata.html
(**)Ver tag "Animação" no blog do Núcleo de Arte Grande Otelo: http://nucleodeartegrandeotelo.blogspot.com/search/label/Anima%C3%A7%C3%A3o Algumas das animações tiveram a participação de trabalhos produzidos por nossos alunos nas aulas "regulares" de artes (como, p.ex., alguns dos folioscópios e flipbooks): ver "ANIMAÇÃO TRASH: NOSSAS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS - PARTE I": http://nucleodeartegrandeotelo.blogspot.com/2009/10/as-animacoes-de-nossos-alunos-estao-na.html


"Brasil Arte" (pintura no chão)

Fotos: Imaculada Conceição

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